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#UPNãoAumenta

Universidade aberta aos estrangeiros ainda é um projeto com problemas em Portugal

Além de ser uma tendência turística para os brasileiros, Portugal se tornou uma opção e uma oportunidade para aqueles que querem fazer o ensino superior fora do país

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Tiago Reis/REIT

Porquê o Porto?
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O clima mais ameno, a qualidade de vida, a semelhança na língua e os preços mais baixos em comparação ao resto da Europa chamam atenção; mas nem tudo são flores do outro lado do Atlântico: “Eu romantizei minha vinda para cá, como se tudo fosse melhor que no Brasil só que não é fácil ser um estudante internacional aqui”, diz Douglas*, aluno da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. 

 

Assim como Douglas*, outros brasileiros vem rumo ao país devido às ofertas de cursos. Segundo dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência de Portugal, a procura de estudantes do Brasil por instituições universitárias portuguesas cresceu 38% nos últimos três anos. São cerca de 14 mil alunos atualmente, mais que a soma de todos os estudantes provenientes dos outros quatro países do top 5 (Angola, Espanha, Cabo Verde e Itália). Já o número de vistos estudantis emitidos pelo Consulado de Portugal em São Paulo aumentou 35% só no último ano. 

 

Considerada a melhor instituição de ensino superior do país, segundo o QS World University Ranking (QSWUR), a Universidade do Porto (UP) é uma das mais atraentes aos estudantes. Ela está em em 122º na Europa e em 295º lugar a nível mundial, tendo subido 62 posições no último ano. A universidade está cada vez mais perto de chegar ao top 250 das melhores escolas do mundo naquele que é considerado um dos mais conceituados “barómetros” do ensino superior. 

 

O desempenho das instituições é avaliado tendo em conta seis indicadores: reputação acadêmica, reputação entre empregadores, relação entre corpo docente e estudantes, citações por docentes, estudantes internacionais e docentes internacionais. A Universidade obteve a sua melhor qualificação no parâmetro das citações por docentes, com uma subida de 86 lugares, ainda que tenha apresentado uma melhoria na maioria das restantes categorias, nomeadamente na reputação entre empregadores (subida de 56 lugares) e no que diz respeito ao índice de estudantes internacionais (subida de 83 lugares). Este índice baseia-se na proporção dos estudantes de uma universidade que são internacionais. 

 

Segundo os dados oficiais disponibilizados pela reitoria da Universidade, estes representam quase 20% da comunidade estudantil, estando essencialmente divididos em duas categorias: estudantes de grau, que completam um ciclo de estudos (licenciatura, mestrado ou doutoramento) no país, ou estudantes em regime de mobilidade in (alunos que vêm estudar para o país através de intercâmbios, Erasmus, etc). Durante os últimos anos, o aumento do número de estudantes de grau tem sido essencial no contributo para a percentagem de estudantes internacionais na cidade.

Apesar de existir uma enorme variedade nas nacionalidades dos alunos inscritos na UP, o país mais representado (para além de Portugal) é o Brasil. Segundo dados relativos ao ano letivo de 2018/2019, cerca de 8% dos alunos inscritos eram brasileiros, seguidos pelos estudantes dos PALOP (Angola, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe), que representavam cerca de 1,1% da comunidade escolar e do resto da União Europeia (cerca de 1%). 

 

Mesmo com a expressividade dos estudantes internacionais na UP e da diversidade que levam ao corpo discente, há relatos de discriminação e dificuldades com a permanência. Além do choque cultural com a mudança de país, os estudantes relatam pouca representatividade nos órgãos estudantis, propinas mais caras e xenofobia: “Muitas vezes sinto que recebemos notas menores por utilizar o português de nosso país. Alguns professores teimam em dizer que falamos ‘brasileiro’, em um aspecto negativo.”, comenta Douglas*.

Aumento das propinas
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Se ingressar no ensino superior implica custos, aos estudantes internacionais isso se torna ainda mais caro com despesas de deslocamento e pagamento dos estudos. Um dos assuntos centrais neste cenário são as propinas têm impacto na economia dos estudantes. O tema é e sempre foi muitas vezes alvo de alguma controvérsia, e origina discussão e manifestações dentro da comunidade académica.

A 4 de outubro de 2020, vários estudantes de Mestrado da Faculdade de Letras da Universidade do Porto manifestaram- se em frente à Reitoria da Universidade do Porto contra o aumento das propinas. Gabrielle Lacerda, de 24 anos e estudante na Universidade do Porto desde 2019, falou com a Lusa e afirmou, na altura, que, caso não conseguisse pagar o valor acrescido das propinas, teria de regressar ao Brasil sem terminar os estudos. A aluna explicou que “Até ao ano passado, pagava 1.500 euros de propinas anuais. A partir desse ano teve uma alteração e foi para 2.812 euros. São 87% [de aumento]. Praticamente dobrou o valor do ano. Ou seja, o que ia pagar pelo curso inteiro estou a pagar praticamente num ano”. A estudante brasileira falou num “aumento brutal” e “muito difícil de suportar”, que ainda por cima chegou durante a pandemia, momento em que “todas as pessoas tiveram os rendimentos abalados”. 

Gabrielle, e todos os outros alunos que viram crescer o valor das propinas mostraram-se bastante indignados: “Não houve qualquer tipo de aviso, não foi enviado um e-mail, não foi criado um despacho, nada. A descoberta aconteceu na renovação da matrícula”. Os colegas da Gabrielle organizaram uma angariação de fundos para ajudá-la a pagar a propina. 

O aumento das propinas em 29 cursos da FCUP foi justificado pela faculdade: “Teve por fundamento a necessidade de acompanhar os crescentes custos de realização destes cursos, de forma a reunir condições para manter e melhorar as condições materiais e, consequentemente, a qualidade de ensino oferecido pela FCUP nestes ciclos de estudos”. A LUSA apurou que houve 23 mestrados que sofreram um aumento de 50 euros anuais, chegando aos 1.300 euros de propina, mais seis mestrados cujo aumento da propina alcançou os 180 euros ou 375 euros, fixando o valor nos 1.430 euros e 1.625 euros anuais.

No ano seguinte, a 28 de abril de 2021, aconteceram protestos com o slogan: “É hora de avançar, a propina tem de acabar.” em Lisboa, Porto, Évora, Braga, Caldas da Rainha, Faro, Covilhã e Coimbra. Um dos vários pontos do país em que ocorreram as manifestações foi em frente à Reitoria da Universidade do Porto.

Na área destinada ao esclarecimento de dúvidas dos estudantes internacionais do site da Universidade do Porto, pode ler-se que: “A propina (anuidade) aplicada aos estudantes estrangeiros é igual à dos restantes estudantes da Universidade, exceto no caso dos estudantes abrangidos pelo Estatuto do Estudante Internacional, cujo valor é definido por cada faculdade da U.Porto atendendo aos cursos reais do curso. Para o ano letivo 2020/2021, o valor da propina (anuidade) para estudantes com EEI que frequentem os cursos de Graduação (licenciaturas mestrado integrados) da U.Porto em tempo integral varia entre os 3.500 euros e os 8.000 euros. No caso dos mestrados e doutoramentos, o valor pode variar entre os 3.500 euros e os 10.000 euros. No caso dos estudantes nacionais de países da CPLP - Comunidade de Países de Língua Portuguesa (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste), pode ser aplicada uma redução de até 45% na anuidade.”

Segundo a EuroDicas, uma plataforma que dá “dicas para morar na Europa, de brasileiros para brasileiros”, em 2018, os alunos inscritos na Universidade do Porto, na modalidade regular, de nacionalidade brasileira eram 2.396. Em 2020, as propinas na UP sofreram um aumento e ocorreu uma redução dos descontos para os alunos CPLP, de 50% para 45% sobre o valor pago pelos estudantes internacionais.

A 2 de maio de 2020, a Eurodicas recolheu dados sobre o custo das propinas nas várias faculdades da UP e construiu as seguintes tabelas:

Licenciatura e Mestrado integrado para CPLP (dados recolhidos pela EuroDicas a 2 de maio de 2020)
Mestrado para alunos CPLP
* Os valores variam conforme o mestrado, indicamos o preço do Mestrado em Engenharia de Software, um dos mais caros da FEUP.
** Aplicável a todos os mestrados da FCNAUP, exceto Mestrado em Ciências Gastronômicas, cujo valor é superior, mas que também não houve aumento.

O aumento referido foi aprovado, a 17 de junho de 2019, pelo Conselho Geral da Universidade do Porto. Segundo a EuroDicas, “ficou definida a atualização dos limites mínimos e máximos dos valores praticados pelas faculdades para os alunos internacionais. Sendo que o intervalo passou de 3 mil euros a 8.500€ anuais para 3.500€ e 10 mil euros anuais – os valores se referem ao pagamento integral de estudantes internacionais, a eles são aplicados os descontos CPLP, que sofreram redução na porcentagem, descendo de 50% para 45%.”. A assessoria da Universidade do Porto revelou, em 2020, que as alterações “tiveram por base a necessidade de ajustar os valores cobrados à inflação após cinco anos sem alterações e de garantir o cumprimento da legislação portuguesa” e acrescentou que “mesmo com esta atualização de valores, a Universidade do Porto continua a ser uma das universidades portuguesas com a propina média mais baixa para estudantes internacionais […] Pegando no exemplo da Universidade de Lisboa, o valor médio de propina para estudante internacional no próximo ano será de 6.250€, quando na Universidade do Porto a média será de 4.375€.”

A EuroDicas falou, na altura, com estudantes brasileiros matriculados na Universidade do Porto, que confessaram que o aumento das propinas teria um impacto significativo nas suas vidas. Esse foi o caso de Moyses* que chegou a admitir que “Com a subida absurda da taxa de câmbio, o diferencial que eu, por exemplo, vou ter com o gasto de propina mensalmente em relação ao que eu tinha antes, vai subir em quase 1/4 do valor do salário no mínimo no Brasil. Se entrarmos em termos de gasto total, o valor é significativamente maior, já que o câmbio subiu em quase 30% do que era antes, sendo que, o aumento da propina e o agravamento da situação econômica do país em meio à pandemia pioram toda essa situação”. 

Moyses* mostrou-se realmente desiludido com a UP: “Me decepciona muito que, uma instituição do calibre da Universidade do Porto, tenha planejado e aprovado um aumento de um terço na propina do meu e de vários outros cursos, sem ao menos avisar os estudantes antecipadamente. Mais decepcionante ainda é que, mesmo sob pressão de nós, estudantes, por uma justificação plausível do porquê do aumento, e em meio à crise global sanitária e econômica em que estamos, a Universidade não se pronuncia devidamente sobre essa situação. Descaso total”. 

Contudo, de acordo com o Ekonomista, este ano (2021) “de acordo com o artigo 173.º do Orçamento de Estado para 2021 (OE2021), o valor mínimo das propinas no ensino superior vai descer para os 495 euros e vai aplicar-se a todos os ciclos de estudos conferentes de grau superior.” 

Já no que diz respeito ao presente ano letivo de 2021-2022, segundo a DGES, “No ensino superior público, para o ano letivo de 2021-2022, o valor máximo da propina a fixar pelas instituições de ensino superior não pode ser superior ao valor fixado no anterior ano letivo, mantendo-se assim em 697€.”

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“UP não aumenta!”

Para se opor ao aumento das propinas aplicado pelo Conselho Geral e dis- cutir a representação de estudantes internacionais na Universidade do Porto surgiu o que hoje é conhecido como NEI (Núcleo de Estudantes Internacio- nais). A organização se consolidou a partir de um movimento com a hastag “#upnaoaumenta” que viralizou nas redes sociais e cobrava que o aumento não fosse aplicado. Os co- mentários eram feitos nas redes sociais da UP e con- tavam com relatos desses estudantes afetados.

Um dos idealizadores do núcleo e estudante estudante brasileiro da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Vitor* explicou que o movimento foi necessário, pois o aumento aconte- ceu “de forma silencio- sa, meio que por debaixo dos panos, ninguém faou nada.” O jovem disse que o acréscimo surpreendeu os estudantes que já estavam matriculados nos cursos de licencia- tura e mestrado. “Nós não recebemos um único email de comunicação, explicação, e de fundamentação do aumento. A única fundamentação que eles apresentam é que eles podem aumentar, ou seja, de que eles não estão fazendo nada de ilegal.”, comentou.

Apesar de o aumento es- tar ao abrigo da Lei de Discricionariedade, que prevê a liberdade do ad- ministrador de fazer re- ajustes monetários, ele foi prejudicial para uma parcela dos estudantes internacionais, e a causa de saída de muitos du- rante as fases iniciais da pandemia. À medida, somou-se a circunstância da aplicação da mesma ter sido feita em um ano atípico de crise financei- ra mundial e os atingidos pela mudança foram os estudantes internacionais. Vítor, considerou o au- mento“insensível da Universidade do Porto, naquele ano, em manter um aumento substancial nas propinas para os estudantes dessa comunidade.”

Segundo um levantamento feito pela Folha de São Paulo, dentre os 35,2% dos estudantes internacionais inscritos no ano letivo de 2019/2020 nas universidades portuguesas, a maior parcela é brasileira de 18,1%, seguida pelos cabo-verdianos com 5,3%. Ainda nesse levantamento, verificou-se que a Universidade do Por- to é o principal destino para os brasileiros e nesse mesmo ano contabilizou 3.699 novos inscritos.

Deslocados, muitos deles são trabalhadores-estudantes, tendo sido afetados de forma direta e indireta pela pandemia “Nós estamos falando de brasileiros, angolanos, cabo-verdianos, moçambicanos e estudantes, especialmente, da América do Sul, que para além de tudo não têm desconto da CPLP e foram fortemente afetados pela crise pandémica”, completou Vítor. 

 

Nesse contexto de desinformação em relação ao aumento da propina, no dia 28 de dezembro de 2020 a primeira publicação foi feita no grupo do Facebook chamado de BRAZUP (Brasileiros na Universidade do Porto), quando um estudante internacional se apercebeu do suposto aumento. O post teve 130 reações e 198 comentários dentre os quais os estudantes relatavam desconhecimento e insatisfação em relação à medida. 

 

Com essa mobilização, Vitor* e Moyses*, estudantes brasileiros da UP, reuniram-se com o Provedor do Estudante da mesma Universidade para encontrarem soluções. Apesar de não terem conseguido congelar o aumento após a reunião, os dois jovens decidiram se mobilizar em oposição ao aumento. Juntaram-se com outros estudantes afetados e em janeiro de 2020, a partir de algumas reuniões que aconteceram na Faculdade de Letras,  o grupo de jovens redigiu uma carta aberta à Universidade do Porto em que recolheram 1000 assinaturas de estudantes de todas as faculdades da UP. Apesar do esforço, a carta não foi respondida pela reitoria. 

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Após esse período e já com as medidas em vigor, o até então grupo de jovens estrangeiros que não se sentiam representados no ambiente académico, viram a necessidade de unir esforços e criar então o Núcleo de Estudantes Internacionais “nós já tínhamos redes sociais, uma marca, já tínhamos grupos e mobilização: estudantes mobilizados unidos por uma mesma causa, que é exatamente a representação dos estudantes internacionais e a promoção da integração, da recepção, da comunicação e da união de esforços. Por esses motivos resolvemos não acabar com o que já tínhamos construído”, completou Vítor. 

As próximas ações do que agora chama-se NEI, caminham em direção a aplicar medidas de integração dos estudantes internacionais ao seio académico. Os participantes do núcleo percebem que faltam políticas de acolhimento e integração aos alunos internacionais. Júlia, estudante de mestrado na Faculdade de Psicologia da UP e integrante do NEI, explicou “Quando eles resolvem fazer uma coisa, eles focam muito no Erasmus, eu sei que o Erasmus tem um dia específico para ser recebido, tanto no geral como em cada faculdade, mas os internacionais ficam esquecidos.” 

 

O motivo principal para essa carência de integração, segundo Vítor é a falta de centralização da Universidade do Porto, cada faculdade promove a integração de uma forma: “Por esse motivo, talvez falte, uma verdadeira política de integração conjunta, um esforço conjunto da Reitoria da UP.” Para isso, o núcleo propõe uma alteração na visão dos estudantes internacionais e medidas capazes de unir integração, recepção e informação. 

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É preciso integrar-se

 

Ao todo são catorze faculdades e cada Faculdade da UP tem a sua própria associação de estudantes. Anualmente acontecem também as eleições das listas académicas que são grupos de estudantes com propostas, eleitos democraticamente pelos seus pares, em que defendem certas causas. Após eleitos, passam a integrar as Associações de Estudantes da faculdade. 

 

Um dos objetivos do NEI é que com o trabalho promovido pelo núcleo, seja possível acelerar a participação e representatividade da comunidade internacional na UP tendo em vista a vinda expressiva de estudantes internacionais, sobretudo brasileiros. Para Júlia, é importante que cada vez mais os estudantes brasileiros e os outros internacionais integrem estas associações para aumentar e garantir a representatividade da comunidade. Nesse sentido, é importante que alguns integrantes do núcleo, cada vez mais, façam parte das associações e das listas “Acho que estamos bem no início. Antes não tínhamos basicamente ninguém. Agora, depois das nossas mobilizações, surgiram algumas mudanças, como é o caso da Lista D na FLUP, mas mesmo assim, não é numa parte tão representativa, que toma decisão. Normalmente é numa camada mais em baixo.”, afirmou Júlia. 

 

O Conselho Geral da Universidade do Porto, entidade que participou da aprovação do aumento, é composto por 23 membros, distribuídos entre: presidente, representantes dos professores e investigadores, representantes dos estudantes e representante do pessoal não docente e não investigador.  

 

As cadeiras de representação dos estudantes da UP no Conselho estão concentradas em quatro alunos, todos portugueses. A importância de diversificar, segundo Júlia, esses setores de decisão do seio académico, pode ser um dos fatores que possa contribuir para o aumento da representatividade dos alunos internacionais na UP. 

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As associações
 

“Os nossos objetivos, e creio que aquilo que vou dizer se adapta a todas as associações de estudantes da Academia do Porto, são defender os interesses dos estudantes e fazer de tudo para lhes dar aquilo que por outras vias se calhar não conseguiriam. Servir os alunos é a nossa finalidade principal.”
 

A Associação de Estudantes da Faculdade de Direito da Universidade do Porto existe há 25 anos e nela trabalham, neste momento, 44 pessoas, das quais pelo menos 5 são estudantes internacionais. O Transversal conversou com a Vice-Presidente de Relações Externas e Política Educativa da Direção da AEFDUP, Mariana Coelho, que garantiu que “AEFDUP tenta ser o mais representativa possível, englobando tanto estudantes de Direito como de Criminologia, sejam estudantes internacionais, não sejam estudantes internacionais; sejam estudantes de mestrado, de licenciatura…Tentamos englobar todos. Portanto, neste momento, creio que a AEFDUP está bem representada pelos estudantes internacionais. Se podíamos ter mais? Podíamos.”
 

Todos os anos, em novembro, a AEFDUP abre o programa “Associa-te” para aqueles que quiserem fazer parte da Direção da Associação. Segundo Mariana, a procura pelos estudantes em fazer parte da AE não é muito diferente entre os estudantes portugueses e os internacionais, sendo que tem sido cada vez maior. No que diz respeito aos estudantes de primeiro ano, independentemente da sua origem, é raro envolverem-se na Associação ou grupos académicos, uma vez que é natural passarem por um processo de descoberta em que vão conhecendo aquilo que a FDUP e a Academia têm para oferecer. Os estudantes, independentemente da sua nacionalidade, podem participar, mediante o seu interesse, nas atividades organizadas pela Associação de Estudantes, e a adesão tende a ser  “equitativa, na medida em que toda a gente participa”.

Por outro lado, no que concerne a resolver problemas, os alunos procuram a faculdade enquanto instituição de modo a solucionar os processos burocráticos que, por vezes, se tornam burocráticos. A Associação de Estudantes serve de bóia quando os alunos procuram meios que facilitem o estudo, sobretudo os brasileiros, que tentam perceber o método de estudo português, distinto do do Brasil. De acordo com o feedback que recebeu, a Mariana acredita que os estudantes internacionais se sentem bem representados e sabem que podem ser ajudados tanto pela instituição como pela Associação de Estudantes da qual faz parte.
 

Quando questionada acerca da boa ou má representatividade dos estudantes internacionais, inclusive os alunos brasileiros, Mariana revelou-nos que: “Na realidade, sinto que todos nós podíamos estar mais bem representados, num ou noutro momento. É esse o enfoque das Associações de Estudantes: melhorar a representação dos alunos […] Por vezes podem acontecer falhas e poderia ser melhor? Certamente que sim. Mas é nesse sentido que caminhamos […] Relativamente à Universidade do Porto, peco por desconhecer um pouco a realidade, mas segundo aquilo que me chegou, o processo de adaptação, de representatividade, pode ser lento, mas acontece. […] Nós temos muitos estudantes internacionais, nomeadamente brasileiros, e como são tantos, eu creio que, às vezes, se calhar, há aquele pensamento de que estão todos juntos, e não é assim, eles precisam de ser acompanhados.”
 

A Associação de Estudantes da Faculdade de Letras surgiu após o 25 de abril de 1974. A associação nasceu da reunião de estudantes que não concordavam com o sistema político da época e sentiam a necessidade do Estado os reconhecer e ouvir as suas demandas. 

 

João Teixeira, 21 anos, é estudante de arqueologia e também presidente da direção da AEFLUP. Segundo Teixeira, o objetivo principal da associação é “defender os interesses dos estudantes da faculdade''. 

A entidade é composta por 105 representantes da associação, ou seja, estudantes que contribuem ativamente para a manutenção da entidade. Desse total, apenas 5 são brasileiros. Essa massa de jovens divide-se entre as secções de direção, responsável em organizar os eventos, exercer presença junto aos estudantes e comunicar externamente; mesa da assembleia-geral que coordena a assembleia; e conselho fiscal que fiscaliza a execução do orçamento feito no início do ano letivo. 

Com o aumento cada vez mais expressivo de estudantes internacionais na UP e com isso uma maior internacionalização do ambiente académico, Teixeira comentou que percebe “que eles chegam cá sem muita informação.” Mudança de hábitos, saudade e novas responsabilidades são fatos que os estudantes internacionais precisam aprender a lidar quando chegam em Portugal. Para além disto, a hierarquização e a distância entre os estudantes e órgãos superiores como a Reitoria e os Serviços Internacionais, parece não colaborar para a experiência desses jovens deslocados: “Claro que nós temos essa responsabilidade, mas a faculdade também tem, a Reitoria igualmente tem essa responsabilidade, os serviços internacionais também, de os apoiar, de os guiar. Porque vamos ser sinceros, eu sou estudante de arqueologia, o que eu sei sobre coordenar estudantes internacionais na Faculdade de Letras?”, questionou Teixeira. 

 

Anathea Fernandes, 21 anos, e estudante de Relações Internacionais, Presidente da Lista D concorda com o companheiro de AE que faltam políticas por parte das entidades superiores da UP: “Este ano, pensamos em inovar e criar programas de integração. Desde a Revolução dos Cravos, Portugal passou por uma transformação do seu sistema político, económico e social. Com isso, a associação também precisou se adaptar. No caso específico da Faculdade de Letras, todos os estudantes matriculados na faculdade fazem, automaticamente, parte da associação, entretanto não são todos que se envolvem ativamente. “Sinto cada vez mais a necessidade dos estudantes internacionais de se integrarem em uma lista. Se nós somos uma lista, temos que ter diversidade.”, afirmou o jovem diretor da AEFLUP. 

 

Anualmente acontecem as eleições de novas listas que se candidatam para integrar a Associação de Estudantes. As listas são compostas por estudantes que apresentam um plano de ações em que visam defender os interesses desses nichos de estudantes, os quais os planos atingem de alguma forma. Dessa maneira, a lista vencedora consegue exercer maior representatividade dentro da AEFLUP. 

 

Em novembro deste ano aconteceram as eleições da nova lista da Faculdade de Letras da UP. Até então, a presidência da associação estava a ser feita pela Lista M. Com o Slogan “diz sim à diferença”, a Lista D foi a vencedora e tomou posse no dia 18 de novembro de 2021.o entre os estudantes internacionais e nacionais. Pensamos nisto, pois percebemos que eles chegam aqui e sentem-se um bocadinho mais perdidos, não conhecem as tradições académicas, não conhecem a zona da faculdade e o que podem fazer no Porto, por exemplo.”

 

A Lista é composta por 197 membros. As divisões seguem a mesma lógica da associação, visto que agora a Lisa D exercerá a coordenação da entidade: direção (191), mesa assembleia-geral(3) e conselho fiscal(3). Nesta lista, segundo Fernandes tem-se a presença de 15 alunos brasileiros, espalhados pelas três divisões, que integram o corpo da associação. 

 

A direção, secção mais numerosa, é responsável pela criação e execução das atividades e divide-se em departamento recreativo e de integração, bem-estar físico e mental, departamento artístico e cultural, comunicação e marketing, departamento pedagógico, ação social e inclusão. 

 

Rui Guerreiro é o atual Presidente da Associação de Estudantes da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e falou com o Transversal acerca do papel da AE na vida dos estudantes da FEUP. A lista do Rui está à frente da AEFEUP nos últimos 10 dos 37 anos de existência da Associação de Estudantes. Hoje, fazem parte dela mais de 90 estudantes. Para o Presidente, “O objetivo é sermos todos só um, a ajudar os estudantes.", já que a AE tem “uma relação muito mais próxima com a direção e mais facilidade em expor os problemas e arranjar uma solução.”

Apesar de existir um número elevado de estudantes brasileiros na FEUP, apenas dois fazem parte da Associação de Estudantes, enquanto líderes de departamento. Contudo, a AE organiza várias atividades, nomeadamente de integração dos estudantes internacionais: “No dia 24 de dezembro, há um jantar de Natal para os estudantes, sobretudo os internacionais, que iam passar o Natal sozinhos, aos quais se juntaram a FEP e a Reitoria, para uma maior abrangência.” 
 

O Presidente da AEFEUP reuniu com a InterUP e com o IPoint (gabinete de receção aos estudantes internacionais da FEUP), para que esta iniciativa do jantar chegasse ao maior número possível de estudantes internacionais. Desta forma, os seus canais de comunicação quadruplicaram, devido também à aderência da FEP e da Reitoria da UP. Desta forma, Rui acredita que este jantar é a porta de entrada para que a aderência a eventos para estudantes internacionais aumente, uma vez que está aberto para todo o universo da UPorto. 
 

Por outro lado, os estudantes internacionais encontram, por vezes, barreiras financeiras à sua participação nas iniciativas proporcionadas pela AE: “Nós temos notado alguma dificuldade dos estudantes internacionais em aderir às nossas atividades, como é o caso do jantar, de âmbito financeiro. Assim, nós estamos a tentar chegar a esses casos e resolver o problema, cobrindo o valor total do jantar. 
 

Sendo a FEUP uma das maiores faculdades da Universidade do Porto e uma das que recebe mais estudantes, tendo, consequentemente, um universo alargado de alunos, a convivência entre estudantes nacionais e internacionais nem sempre é pacífica. “No ano passado, ocorreram alguns casos de xenofobia aqui na FEUP. É inadmissível que neste século, ou em qualquer outro, isto continue a acontecer. Nós até criamos um e-mail para que os alunos pudessem fazer as suas queixas anonimamente. […] Temos notado um aumento grande de contas em redes sociais criadas para gozar, para atacar de qualquer forma os outros. O ano passado, a AEFEUP descobriu o maior número deste tipo de contas e posteriormente a FEUP apresentou-as ao Ministério Público, para que se iniciasse uma investigação formal. Parece ter acalmado, até agora não recebi mais queixas deste tipo. Claro que não tenho conhecimento dos casos pontuais que acontecem entre estudantes, mas espero bem que não aconteçam. Mas, lá está, nos últimos tempos não recebi queixas tão graves como as que aconteceram no ano passado.”

Âncora 6

Tuna como espaço de acolhimento

Quando chegam a Portugal, mais especificamente às cidades universitárias, os estudantes brasileiros vêm com novidade os grupos de jovens com trajes tradicionais a tocar instrumentos, a cantar e a dançar pelas ruas: “Eu achava que tinha alguma relação com o Harry Potter. Até porque havia o boato de que J.K Rowlling havia se baseado nos estudantes de Coimbra para escrever o livro, o que depois foi desmentido por ela.” disse Carola, natural do Rio de Janeiro e estudante no segundo ano de marketing no ISCAP. 

 

As tunas académicas são grupos musicais formadas por estudantes, originalmente constituída por rapazes. Atualmente, além das tunas masculinas, existem tunas femininas, como é o caso da Tuna Feminina da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Os membros das tunas apresentam-se vestidos com o traje académico e cantam canções populares de Portugal. As apresentações acontecem de forma itinerante e quem os assiste pode contribuir com algum dinheiro. 

 

Além das apresentações nas ruas, as tunas portuguesas organizam e participam em festivais como foi o caso do emblemático PortusCalle que realizou a sua 21ª edição no Coliseu do Porto em novembro de 2021, organizada pela Tuna da Faculdade de Engenharia (TEUP).  Ao todo foram sete tunas vindas de norte a sul de Portugal, a apresentar-se no palco da Invicta. 

 

Por volta do meio do festival, a Tuna Universitária do Porto iniciou a sua apresentação. O sotaque com o “s” chiado, acusou a voz de carioca nato que se evidenciou quando recitou um poema a introduzir a música brasileira “Manhã de Carnaval”, do compositor brasileiro Luis Bonfá. Bernardo Cunhal de Sousa, animou a plateia composta, em maioria, por portugueses. Sousa tem 21 anos e é metade português, metade brasileiro. Nasceu no Rio de Janeiro e lá viveu a sua juventude quando veio estudar em Portugal. Estudante de mestrado em história na FLUP, faz parte da TUP já há algum tempo. Quando relembrou do festival e da música brasileira, Sousa completou “A tuna com o seu refino musical, sempre buscou absorver músicas que apreciamos de outras culturas. Então claro, que o Brasil que instrumentalmente é um país muito rico  musicalmente, não ficaria de fora. Afinal é uma questão cultural, se você aprecia o valor artístico que uma música possui, você quer incorporá-la.” 

A música Madalena muito tradicional entre as tunas portuguesas, recebe um arranjo diferente pela Universitária do Porto. Com o cavaco brasileiro bem marcado na entrada e a presença constante dos instrumentos de percussão que acompanham a melodia, a associação ao ritmo brasileiro é espontânea.

A Tuna Universitária do Porto existe desde o século XIX, e já acumula mais de 100 anos de história. O diferencial desta tuna é a integração de músicas de outros continentes, para além das tradicionais portuguesas. Segundo o site da TUP: “A Universitária do Porto explora o ideário latino-americano quer ao nível do repertório bem como na introdução de instrumentos típicos dessa expressão. Sempre precursora e paradigmática, a Universitária do Porto faz por ser uma referência musical e cultural, fiel e digna representante da cidade que a viu nascer nos finais do século XIX.”

Felipe Matos, de 26 anos, é o presidente e explicou que a TUP é uma tuna masculina, dessa maneira, qualquer estudante do sexo masculino da UP pode participar. Se assim desejar, basta ir a um ensaio que acontece todas às quartas-feiras no Orfeão Português do Porto às 21h. 

O ambiente da tuna é propício para a criação de laços entre os participantes. Tradições de apadrinhamento, jantares de grupo e os ensaios aproximam os integrantes. Atualmente a TUP é composta por 25 membros entre eles, 5 são brasileiros “A tuna ajuda o estudante estrangeiro a viver a experiência do país por completo, de forma mais intensa. No contexto cultural, nós acabamos por ter uma série de digressões nacionais e internacionais que acabam por acrescentar culturalmente cada um de nós.”, concluiu Matos. 

Quando finalizada a entrevista com os Sousa e Matos, por volta das 22h de uma quarta-feira, os dois saíram às pressas para participarem de uma serenata em homenagem à mãe de um dos integrantes da TUP. Tratava-se de um caso de saudade: mãe e filho que não se encontravam há 5 anos. Gabriel, estudante brasileiro que veio fazer o curso de economia na FEP em 2017, não via a sua mãe desde o dia que embarcou em São Paulo destino Porto. Muito embalada pela canção Linda Donzela (Ondas do Douro) da própria Universitária do Porto, cantada pela voz grave dos rapazes, ela não conseguiu conter as lágrimas. O olhar de orgulho e saudade acumulada da mãe que seguiu de mãos dadas ao filho, marcaram toda a apresentação. A emoção foi contagiante, as notas da viola portuguesa que davam o tom e as ondas do “dois pra lá e dois pra cá” dos jovens, coroaram esse encontro tão esperado. 

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