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  • Thaís Magalhães Manhães

Crianças portuguesas que só falam "brasileiro"

Atualizado: 7 de jul. de 2023

Reportagem do Diário de Notícias ativa nacionalismos exaltados que não levam Portugal a lugar algum



 

Estatísticas oficiais apontam que em 2020 havia em Portugal 183.993 brasileiros residentes, essa porção não inclui os brasileiros com dupla cidadania (algo muito comum devido ao alto número de imigrantes portugueses no Brasil -ao longo dos séculos-). Esse valor aponta que a comunidade brasileira representa 28% dos imigrantes em solo português, uma fatia muito representativa.


Além de estarem conquistando fisicamente espaços em Portugal, no território virtual, parecem também chegar aos lares dos “miúdos” através dos "youtuberes" brasileiros. Se desde sempre as telenovelas brasileiras conquistavam o sotaque fechado do português, agora os "youtuberes" parecem incomodar pais que, ao invés de se preocuparem com o tempo excessivo de horas que os filhos passam “ao pé” dos tablets e celulares, se preocupam que as crianças não querem mais falar autocarro e sim, ônibus.


Preocupação descabida, além do motivo noticioso não ter o enfoque mais adequado. Se a Laura, de 3 anos, tem autonomia para dizer que prefere assistir aos conteúdos brasileiros ao invés de “O Panda e os Caricas” ou “Ruca”, por exemplo, com 10 anos irá ser a “chefa da casa”.


E mais inadequada ainda foi a abordagem do tema: “António, da mesma idade, começou a dar sinais de alerta há já algum tempo...”. A impressão é que a notícia falava sobre uma doença contagiosa, transmitida numa espécie de fenômeno surreal nunca visto antes.


Cabe avisar que a língua, como algo vivo, se transforma e se renova ao longo do tempo. Imagina se os miúdos de hoje falassem como Camões ou as crianças brasileiras falassem como Machado de Assis: estariam todas mortas no tempo, né? Além disso, que língua é a língua brasileira? Existe essa língua?


No Brasil, há 521 anos, em média, se fala português, língua essa que devorou as outras línguas que existiam quando o Brasil era ainda Pindorama. Dizer que o brasileiro fala brasileiro, é quase que dizer que o português fala galego. É apagar a história. Se assim for, anexamos Portugal à Galícia e encerramos a discussão.


Num parágrafo de média lucidez, a professora de linguística, Catarina Menezes, direcionou a discussão para o lugar correto: "Eu penso que poderia ser interessante incorporar estas linguagens na escola. Porque elas podem ser descontruídas e trabalhadas. Podemos ver como é que palavras diferentes podem designar uma mesma realidade, sobretudo em diferentes contextos culturais. E às vezes até na própria sala de aula, porque aí também existe uma interculturalidade que não existia".


De fato, em um Portugal multicultural de 2021, fazer uma publicação destas me parece no mínimo ofensivo. Portugal que fez questão de espalhar o seu falar por outros continentes, deveria hoje saber integrar as variedades do idioma, que o torna um patrimônio da humanidade. Como já dizia Caetano num dos seus maravilhosos usos da língua portuguesa:

"E deixe os Portugais morrerem à míngua

Minha pátria é minha língua"



Texto escrito conforme o novo acordo ortográfico. Variante linguística brasileira utilizada.

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