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  • Ana Francisca Maio

OE 2022: o chumbo e suas consequências

Atualizado: 20 de jan. de 2022


A 27 de outubro a proposta do Governo para o Orçamento de Estado de 2022 foi chumbada na generalidade, na Assembleia da República. Consequentemente, o Parlamento foi dissolvido e foram marcadas eleições legislativas antecipadas.

 

O que o Governo de António Costa mais temia aconteceu na quarta-feira de 27 de outubro: a proposta do Orçamento de Estado para 2022 não passou na Assembleia da República. Apenas o PS votou a favor. BE, PCP, PSD, PEV, Chega, IL e CDS votaram contra, e o PAN e as deputadas independentes Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues optaram pela abstenção. Era o fim da famosa "geringonça".


Créditos: Hélder Oliveira

Depois de reprovado o Orçamento, existiam duas possibilidades: ou era escrita e apresentada uma nova versão aos deputados, ou o Parlamento era dissolvido pelo Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa optou pela segunda hipótese, após ouvidos os partidos com lugar na Assembleia e o Conselho de Estado, o que o obrigou a convocar eleições legislativas antecipadas nos 55 a 60 dias seguintes.


As próximas eleições serão, assim, a 30 de janeiro. Até à data, o atual Governo mantém-se em funções, embora veja o seu poder limitado. A gestão do país é realizada com base no Orçamento anterior através do sistema de duodécimos.


Créditos: Tiago Petinga

O que é o sistema de duodécimos?

O sistema de duodécimos, que começa a vigorar em 2022, impõe limites à atuação mensal do Governo, uma vez que, até existir um novo orçamento, divide por 12 o orçamento para este ano.


Créditos: Canal de Youtube do Público


Segundo a atual lei de Enquadramento Orçamental, "Durante o período transitório em que se mantiver a prorrogação de vigência da lei do Orçamento do Estado respeitante ao ano anterior, a execução mensal dos programas em curso não pode exceder o duodécimo da despesa total da missão de base orgânica", estando fora deste regime [de duodécimos] "despesas referentes a prestações sociais devidas a beneficiários do sistema de Segurança Social e das despesas com aplicações financeiras".


Que medidas ficaram para trás com o chumbo do Orçamento?

Devido à reprovação do OE 2022, algumas das medidas que estava previsto serem executadas no próximo ano deixarão de o ser.


O desdobramento do 3º e 6º escalões do IRS não vai acontecer, mantendo-se o regime atualmente em vigor, com sete escalões e taxas adicionais. O crescimento da dedução de IRS para pais que tenham o segundo ou mais filhos com idade entre os três e os seis anos, também fica sem efeito, continuando nos 600 euros em vez dos 750 previstos.


Fonte: TSF

No que diz respeito à Função Pública, o plano passava por progressão na carreira e aumentos de 0,9%. Embora esta medida se mantenha executável, o mais provável é que não vá para a frente, dadas as limitações financeiras impostas pelo regime de duodécimos. As pensões poderiam aumentar de duas formas: atualização automática em 0,9% para as com menos valor - que se mantém - ou através de uma subida extraordinária no valor de 10 euros, que ficou para trás.


Não vão haver aumentos para o 1º e o 2º escalões, nem apoios para crianças em risco de pobreza extrema, nem o complemento de 600 euros anuais para cada criança, que estava previsto. No total, são 70 milhões de euros para abonos de família que ficam parados.


O que é que levou a AR a chumbar o OE?

A direita votou em peso contra o Orçamento de Estado, e os parceiros de esquerda do PS seguiram o mesmo caminho. A sobrevivência do OE 2022 dependia do Bloco de Esquerda e do PCP, que preferiram chumbá-lo.


Créditos: Leonardo Negrão/Global Imagens

Catarina Martins, do BE, revelou considerar que a proposta do Governo era "um investimento anémico, não trava a deterioração do SNS nem a perda de poder de compra para a generalidade dos salários e pensões", e depois de meses de negociações à esquerda, é "incompreensível" ".


Créditos: Global Imagens

O Bloco de Esquerda tinha feito nove propostas, todas rejeitadas pelo Executivo de António Costa e sobre as quais Catarina Martins referiu que "Houvesse um compromisso nessas matérias e cá estaríamos para trabalhar na especialidade em muitas outras questões." Para o BE, o fim da "geringonça" foi da total responsabilidade do governo socialista: "a geringonça foi morta pela obsessão pela maioria absoluta, pela recusa das finanças de dar ao SNS carreiras profissionais, condições de contratação e investimentos planeados, pela intransigência que mantém a troika nas leis laborais".


Também o PCP votou contra a proposta do OE, o que constituiu a gota de água para a sua reprovação. Segundo o PCP, o Governo não se mostrou disponível para aceitar as propostas do partido, apesar das tentativas constantes dos comunistas. Jerónimo de Sousa confirmou que a falta de reforço do SNS, a inexistência de alterações à lei laboral e o fraco investimento no aumento salarial, tiveram peso na decisão de votar contra o Orçamento.




Contudo, o Primeiro-Ministro sempre se mostrou tranquilo com a proposta apresentada e confiante de que o seu governo tinha feito um bom trabalho. "No final destes dois dias de debate estou aqui com a serenidade e liberdade de quem está de consciência tranquila [...] A consciência tranquila de que o Governo apresentou uma boa proposta de Orçamento do Estado que está centrado nas prioridades do país e que é coerente com a visão para Portugal. Mas também de consciência tranquila porque fizemos tudo, tudo o que estava ao nosso alcance". António Costa lamentou a escolha da esquerda, mas garantiu que não se demitiria.


Créditos: Canal de Youtube da República Portuguesa


O Bloco de Esquerda e o Partido Comunista foram criticados por colocarem o país numa crise política, numa altura em que já se vivia uma crise sanitária e económica. Entre outros, o Ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Matos Fernandes, pronunciou-se sobre o assunto, em entrevista à TSF: "Quando o Bloco de Esquerda e o PCP chumbaram o Orçamento, sabiam quais eram as suas consequências, e não consigo dizer de outra forma, peço desculpa. É quase risível virem dizer 'apresentem outro Orçamento'. Sabiam perfeitamente que essa não era uma hipótese." O Ministro acrescentou ainda que "é essencial que o Bloco de Esquerda e o PCP arquem com as consequências daquilo que foi o chumbo do Orçamento", visto que "Foram eles que o chumbaram, e eram eles que tinham a obrigação de o não chumbar - não vou dizer que tinham a obrigação de o aprovar -, essa obrigação claramente não estava à direita".


Chumbos de Orçamentos de Estado e Dissoluções do Parlamento em Portugal

Nos últimos 47 anos de democracia, esta é a segunda vez que um Orçamento de Estado é reprovado. A única diferença consiste no facto de, da última vez, o chumbo não originou a dissolução do Parlamento e consequentes eleições antecipadas.


Foi em 1978 que o Primeiro-Ministro Carlos Mota Pinto viu o Orçamento proposto pelo seu Governo ser reprovado na Assembleia. Portugal estava, na altura, num programa de resgate do FMI, num regime de austeridade. O OE foi chumbado devido ao corte do subsídio de Natal que estava proposto.


Carlos Mota Pinto. Fonte: Site PSD

Por outro lado, a Assembleia da República já foi dissolvida oito vezes desde o 25 de abril de 74, sendo que todos os Presidentes da República eleitos em democracia puseram em prática este poder, apelidado de "bomba atómica".


Ramalho Eanes dissolveu o Parlamento três vezes durante os seus dez anos de mandato, entre 1976 e 1986.


A primeira, em 79, decorreu da demissão do então Primeiro-Ministro Carlos Mota Pinto, num contexto de crise orçamental. “No caso do Orçamento, após uma primeira reprovação da proposta governamental, a Assembleia da República acabou por aprová-lo com tais emendas que ele resultou desfigurado, bem diverso da proposta do Governo, com um défice corrente muito elevado que agravará ainda mais os sacrifícios que no futuro esperam os portugueses”, afirmou Mota Pinto, aquando da sua demissão.


Ramalho Eanes. Fonte: Site do Museu da República Portuguesa

A segunda vez, em 1983, teve também origem na demissão do Primeiro-Ministro Francisco Pinto Balsemão, que chefiava o VIII Governo Constitucional. Balsemão justificou-se, dizendo que “Livremente, tomo a decisão de procurar agora dedicar os meus esforços no sentido da preparação do PSD para as próximas eleições legislativas e presidenciais, respetivamente marcadas para 84 e para 85”.


Pinto Balsemão. Fonte: Site do PSD

A última dissolução realizada por Eanes foi em 1985. Cavaco Silva, na altura presidente do PSD acabou com o "Bloco Central" (coligação com o PS) e pediu eleições legislativas mais cedo. Ramalho Eanes acabou por concluir que “não havia possibilidade de formar um Governo parlamentarmente viável” e disse publicamente que "Foi para mim difícil, e ter-vos-á porventura causado sobressalto, a decisão, democraticamente indispensável, de dissolver a Assembleia da República. Mas alimento a esperança de que, apesar do preço inerente à rutura da coligação governamental e aos seus efeitos, a dissolução venha a representar também um estímulo para a reconstrução do nosso destino coletivo”.


Já Mário Soares (1986-1996) aplicou o poder de dissolução da AR uma vez, no ano a seguir à sua eleição. O PRD levou uma moção de censura à Assembleia da República que destruiu o X Governo Constitucional, no qual Cavaco Silva era Primeiro-Ministro. Segundo Mário Soares, “Foi uma decisão maduramente refletida. Fiquei surdo a todas as pressões que tentaram exercer-se sobre mim, num sentido ou noutro”.


Mário Soares. Fonte: Jornal Económico

Por sua vez, Jorge Sampaio (1996-2006) dissolveu duas vezes o Parlamento, em 2002 e em 2004. Em 2001, na noite eleitoral das eleições autárquicas de 16 de dezembro, António Guterres demitiu-se do cargo de Chefe de Governo. Como tal, Jorge Sampaio reuniu-se com os partidos e com o Conselho de Estado, e, por fim, “deu parecer favorável, por unanimidade, à dissolução da Assembleia da República”.


Jorge Sampaio. Créditos: Global Imagens (Arquivo)

A segunda dissolução realizada por Jorge Sampaio foi em 2004. Durante a XIX Legislatura, Durão Barroso demitiu-se do cargo de Primeiro Ministro para se tornar Presidente da Comissão Europeia. Apesar de, na altura, o Presidente da República ter decidido não dissolver o Parlamento e “dar oportunidade à atual maioria de formar um novo Governo”, poucos meses depois mudou de ideias, e quis ouvir os partidos e o Conselho de Estado sobre possíveis dissolução e eleições antecipadas. A 10 de dezembro de 2004, Jorge Sampaio comunicou ao país a dissolução do parlamento e a marcação de eleições para fevereiro de 2005.


Durão Barroso. Fonte: Site do PSD

Cavaco Silva, Presidente da República de 2006 a 2016, dissolveu uma vez a AR, em 2011, período de crise. A dissolução foi consequência da demissão do Primeiro-Ministro José Sócrates. Pouco tempo depois, Cavaco Silva comunicou ao país que “por unanimidade, se pronunciou por unanimidade favoravelmente à dissolução da Assembleia da República”, acrescentado que “É visível para todos os Portugueses o aumento da falta de confiança recíproca entre as diversas forças políticas e a ausência de diálogo e de negociação entre o Governo e os partidos da Oposição. Concluí, assim, que só através da realização de eleições e da clarificação da situação política poderão ser criadas novas condições de governabilidade para o país”. As eleições antecipadas foram marcadas para 5 de junho desse ano.


Cavaco Silva. Créditos: Nuno Ferreira Santos

A oitava e última dissolução do Parlamento foi ordenada por Marcelo Rebelo de Sousa, em 2021, depois do chumbo do OE 2022.


Créditos: Canal de Youtube da Renascença



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