“É fome, por favor”: ex-beneficiários do Bolsa Família devem passar o fim de ano sem comida
- Giovana Frioli
- 4 de dez. de 2021
- 3 min de leitura
Substituição do Bolsa Família pelo programa Auxílio Brasil, que deve iniciar em 10 de dezembro, causa insegurança e deixa sem resposta milhares de brasileiros que passaram o Natal sem um prato de comida

Foto: Reprodução
No último mês, um vídeo de um homem implorando por comida pelas ruas de Brasília circulou nas redes sociais. O trabalhador que se identificou como Marcos gritava pelos prédios residenciais da cidade por ajuda para alimentar sua família. O auxiliar de pedreiro, em situação de desemprego, pedia socorro para alimentar os seis filhos. A cena que viralizou denuncia uma situação grave no país: a fome.
No Brasil já são mais de 19 milhões de pessoas sem ter o que comer, ou seja, quase 10% da população. Mais da metade dos cidadãos encontram-se em algum grau de insegurança alimentar – são 116,8 milhões de pessoas que não sabem se terão comida no dia seguinte.
De acordo com dados da Secretaria de Assistência Social do Nordeste pelo menos 148,4 mil famílias que recebiam o auxílio estão sem receber nenhum tipo de benefício, pois não se enquadram no novo Auxílio Brasil. Quase 40% do total de famílias que ficarão sem o benefício são da região, a mais prejudicada de acordo com o estudo. O levantamento foi feito a partir do Painel do Monitoramento Social do Ministério da Cidadania.
O estudo ainda afirma: “Na exclusão da população mais vulnerável, no que se refere ao direito à segurança de renda, e no seu caráter temporário, em consequência da ausência de recursos para o seu financiamento continuado, é onde residem os impactos mais negativos do novo programa”, diz.
Apesar do Ministério da Cidadania garantir que a oscilação no número de beneficiados com a substituição do Auxílio Brasil é motivada por “renda acima do limite” dos ex-contemplados, ativistas e pesquisadores mostram preocupações com o novo programa.
Dezoito anos de Bolsa Família
Criado em 20 de outubro de 2003, o Bolsa Família foi revogado pela Medida Provisória que criou o Auxílio Brasil (MP 1.061/2021), publicada no Diário Oficial da União em 10 de agosto. O Auxílio Brasil é a tentativa do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de imprimir uma marca própria na assistência social, apagando — às vésperas das eleições de 2022 — o nome fortemente associado às gestões petistas.
Pesquisadores do Conselho Nacional de Segurança Alimentar apontam que o Bolsa Família visava a redistribuição de renda para famílias carentes e proporcionava a inclusão social, com acesso aos serviços básicos de saúde e educação. A perspectiva é que a redução da renda gera mais desestruturação familiar e violência urbana e rural.
Segundo o governo federal, neste mês, cerca de 14,5 milhões de famílias receberão o Auxílio Brasil. "Ainda não dispomos das informações por unidade da Federação. Em dezembro, o número passará para 17 milhões, o que corresponde a todo o público já habilitado e outras famílias que atenderem aos critérios de elegibilidade do programa, zerando a fila de espera. O atendimento alcançará mais de 50 milhões de brasileiros ou um quarto da população", informou o Ministério da Cidadania por meio de nota.
Natal à míngua
Apesar do governo federal garantir o retorno de pagamento do auxílio nos comunicados oficiais, o hiato provocado na transição dos programas sociais tornou o arroz com feijão um luxo para as famílias neste fim de ano. A mãe de três filhos, Fernanda Prado, de 36 anos, teve o nome retirado do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) e diz que não sabe como será a ceia de Natal neste ano: “Vamos ter que esperar alguma ajuda para as crianças terem algo para comer no fim de ano; os presentes nem se falam".
A pequena comerciante de roupas e lingerie diz que ficou na fila no Centro de Assistência Social (Cras) junto com outras pessoas, mas não conseguiu recuperar o cadastro. Ela terá de voltar ao local em outro momento, pois a partir de agora só será atendida com horário agendado: “Me disseram para agendar no aplicativo. Mas ainda tenho que ver qual dia estará disponível. Eu recebi o auxílio emergencial, mas agora só com a venda no camelô não consigo dar conta do que preciso pagar”.
Para tornar o cenário ainda mais incerto, no dia 8 de outubro, o Ministério da Cidadania editou medida suspendendo todas as mudanças no Cadastro Único até março, o que deve adiar ainda mais a inclusão de novos nomes.
Texto escrito conforme o novo acordo ortográfico.
Variante linguística brasileira utilizada.
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